Consumo, saúde mental e ditadura da performance

Em maio de 2020, a Câmara de Comércio e Indústria Portuguesa (CCIP) e parceiros organizaram um webinar com alguns dados sobre o comportamento de consumo dos portugueses nos 2 primeiros meses de pandemia. O objetivo era debater o impacto da pandemia no universo das marcas e analisar as consequências para o mercado português.

Até aquela data, quando as expectativas sobre a duração da pandemia ainda eram mais otimistas, as informações de compra nos supermercados foram classificadas de acordo com 4 momentos específicos:

  • 1º: limpeza do lar (aumento da venda de lixívias/água sanitária, lavagem de roupa e louça, limpa-vidros).
  • 2º: artigos de higiene íntima (aumento da venda de hidratantes, produtos para a barba, coloração de cabelos, lenço de papel).
  • Pré-confinamento: alimentação básica (aumento da venda de conservas, legumes secos, arroz, massas secas, vinagre, bacalhau seco, farinhas, sopas, carne congelada).
  • Confinamento: indulgência (aumento da venda de óleo, sobremesas em pó, cervejas, margarina, açúcar, doces para barrar)

Aposto que você se reconheceu em algum deles, certo?!

Em janeiro de 2021, Portugal vivenciou o início de um segundo confinamento geral. No entanto, de acordo com o estudo “Confinamento 2.0 – comprador mais preparado para ficar em casa”, realizado pela empresa de pesquisa Kantar, o comportamento de consumo não sofreu grande variação em termos de quantidade, mas destacou-se em termos de substituição de produtos de longa duração, como conservas, farinhas, leguminosas e bacalhau secos, por produtos mais frescos (frutas, legumes, carne e peixe), pão, iogurtes, café moído e vinho.

Entre um confinamento e outro, notei que um produto, em especial, começou a ficar mais difícil de encontrar nos mercados e lojas de produtos naturais, ao mesmo tempo em que começou a aparecer em supermercados nos quais a sua presença não era comum: a camomila. E o que isso significava? Mais um sinal entre tantos.

Bem, desde o começo, a preocupação com a saúde começou a ser apontada como uma das principais tendências de comportamento durante e no pós-covid (que parece muito longe de chegar), mas não só. Para além da prevenção, todas as emoções e alterações de rotina do último ano tiveram e terão impactos ainda incalculáveis na nossa saúde mental.

Isso se reflete tanto na falta/presença de camomila, esse ansiolítico natural, quanto na supervalorização da palavra-chave “terapia online” no Google, na venda de mais de 6 milhões de caixas de antidepressivos nos primeiros 8 meses de 2020, só em Portugal, no individualismo e super dependência tecnológica de crianças, adolescentes e adultos e por aí vai.

À medida que pesquiso e recolho esses dados, também lido com outras informações e percepções que comprovam o paradoxo do cenário em que nos encontramos. Ao mesmo tempo em que muitos de nós lidamos com uma mente mais exausta, ansiosa e deprimida do que nunca, também nos vemos diante de uma ditadura da performance que não apenas parece ignorar o momento, mas vai contra a nossa natureza também. Você já teve a sensação de que todo mundo está fazendo litros de limonada enquanto só você segura os limões? Pois é, isso é estranho mesmo, mas já tenho feito as minhas investigações sobre o assunto.

Como profissional de comunicação e marketing, tenho sentido cada vez mais necessidade de me aprofundar em reflexões que vão além de “entender o nosso nicho de mercado” para que, acima de tudo, entendamos mais de pessoas e contextos. E a pergunta que sempre me faço e que deixo agora é: nosso trabalho, hoje, contribui para qual dos lados?

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